
- 23/12/2020
A pior coisa é fazer o exame na hora errada. Ou buscar uma opção que nunca contará o que você precisa saber.
Será que estou com o novo coronavírus? Vamos admitir: a pergunta já passou pela cabeça de quem sentiu a garganta coçar minimamente ou notou a testa mais quente nos últimos meses. Afinal, todo mundo anda desconfiado. Dá para apostar que a dúvida também surgiu em quem, mesmo sem sentir nada de diferente, soube de uma pessoa próxima que adoeceu. E, aliás, essa pode ser uma questão de vida ou morte, se existe o menor risco de infecção pelo SARS-CoV-2 - o que, no meio de uma pandemia, não é uma possibilidade assim tão pequena. Ao contrário.
"Identificar com rapidez quem tem o vírus e, desta forma, imediatamente isolar este indíviduo para evitar que infecte outras pessoas, é sem dúvida um dos mais importantes fatores para conseguirmos controlar a transmissão da covid-19 na comunidade", diz o infectologista e pediatra Marco Aurélio Sáfadi, professor da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo e presidente do departamento de infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatra. Ele é um dos participantes de um bate-papo realizado pelo UOL com o apoio da Abbott, empresa global de cuidados para a saúde e que é a líder mundial em testes para doenças infecciosas.
Diga-se que só a testagem certeira - isto é, com o exame correto de acordo com a fase em que se encontra a infecção - pode oferecer respostas para aquelas e outras interrogações que vêm à tona quando somos um pouco menos rígidos com as normas de distanciamento social. Ora, será que estamos cercados de pessoas sem o vírus no escritório? Dá para mandar os filhos para a escola com alguma tranquilidade? É possível viajar com a certeza de não ter trazido a covid-19 na bagagem de volta?
O problema é que os testes podem ser um universo de difícil compreensão para pessoas comuns. E nesse campo quase todos nós, desavisados, cometemos erros. "O que mais vejo é gente com sintomas de covid-19 procurando por um exame sorológico, aquele que acusa a presença de anticorpos", lamenta o cardiologista José Rocha Faria Neto, professor da Pontifícia Universidade Católica do Paraná.
"Como o organismo de alguém infectado pelo novo coronavírus que está só começando a apresentar sintomas ainda não teve tempo suficiente para produzir anticorpos, é claro que o resultado desse tipo de teste pode resultar negativo. Então, na ilusão de que está tudo bem, a pessoa sai por aí espalhando a doença", diz ele, que também participou da conversa sobre os diversos testes que existem no país.
O médico e virologista Amílcar Tanuri, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, esclareceu durante esse encontro de especialistas: "Não existe um teste pior ou melhor. Mas existe o teste equivocado, que não vai lhe dizer o que você precisa saber".
O que contam os testes de anticorpos
"Anticorpos são proteínas criadas pelo nosso sistema imune que possuem como principal função garantir a defesa do organismo contra diversas infecções como, por exemplo, as causadas pelos vírus", explica Marco Aurélio Sáfadi. "Há uma diversidade deles e, no caso do novo coronavírus, há dois que são detectados pelos métodos hoje disponíveis comercialmente nos laboratórios. Um deles é o IgM, que o organismo começa a produzir geralmente no final da primiera semana após o início dos sintomas".
Portanto, quando você encontra IgM no sangue de alguém, isso indica que aquela pessoa pegou a covid-19 e que isso não faz tanto tempo assim. Seria uma informação muito preciosa se alguns pacientes não produzissem pouco ou quase nada desse primeiro anticorpo. Ou quem sabe, neles, o IgM seja mais fugaz, não estando presente no dia do exame por azar.
Mais garantido é flagrar o segundo anticorpo, este capaz de permanecer por mais tempo na nossa circulação. Ele se chama IgG.
Mas aí é que está: o IgG só aparece nos testes cerca de duas semanas depois do início dos sintomas, quando a doença já foi embora na maior parte dos que a desenvolveram.Importante destacar que os exames sorológicos não se prestam a informar se os pacientes estão ou não transmitindo o vírus.?
Marco Aurélio Sáfadi, presidente do departamento de infectologia da Sociedade Brasileira de Pediatria
Segundo Tanuri, isso não tira dos testes de anticorpos o seu papel. "Eles nos ajudam a entender quantos habitantes de uma cidade já contraíram o SARS-CoV-2 em análises epidemiológicas", aponta. "Ou dizem se eu posso ficar um pouco mais seguro se tenho de cuidar de um parente com covid-19 em casa. Na busca de uma vacina, esses testes (especialmente os que detectam os chamados anticorpos neutralizantes) são ótimos para os cientistas saberem se as pessoas ficaram de fato protegidas ou não", continua. "Mas eles não respondem se alguém deve ser isolado por estar transmitindo o vírus neste momento. Enfim, não apontam quem está doente agora mesmo".
Para não dar bobeira
Aliás, esse é outro ponto. "Saber quem está com o SARS-CoV-2 o quanto antes não é só fundamental para evitar mais contaminações. É essencial para nós, médicos, tomarmos medidas mais acertadas", afirma Rocha Faria Neto. "Se eu sei que o meu paciente, que faz parte um grupo de risco por ter problemas de coração ou ser diabético, está com o vírus, fico ainda mais esperto. Entre outras coisas, posso pedir para essa pessoa comprar um oxímetro, aquele aparelhinho que mede a oxigenação", conta.
Faz sentido: a quantidade de oxigênio que chega às células do corpo pode despencar de um momento para outro quando uma pessoa, especialmente dos tais grupos de risco, tem a covid-19. Aí, para salvar a vida, é hora de ela correr para um hospital.
E o que contam os testes virológicos
"É assim que chamamos os testes que, em vez de buscarem a resposta do organismo ao vírus, como os de anticorpos, vão atrás de pistas que revelam a presença do próprio", define Marco Aurélio Sáfadi.
Os testes virológicos se dividem em dois tipos, por sua vez. Existem os moleculares e o mais conhecido deles, até hoje considerado padrão-ouro, é o chamado RT-PCR. Nele, um cotonete comprido é introduzido pelo nariz, fazendo escala em uma área de fronteira entre o território nasal e a faringe — ou seja, na nasofaringe. E é dali que colhe uma amostra, a qual precisa viajar mergulhada em um líquido capaz de preservá-la até um laboratório.
Chegando lá, em uma primeira etapa usa-se uma série de reagentes para tirar do que foi coletado toda e qualquer molécula de material genético que estiver por ali. Para complicar, o novo coronavírus tem um RNA que, em outra etapa, precisará ser transcrito em DNA, a única molécula, digamos, que o exame consegue ler.
Esses pedacinhos transformados em DNA devem, então, ser multiplicados em progressão geométrica — um virando dois, dois virando quatro e assim por diante. Sem uma boa quantidade deles, nada feito. Finalmente, são usadas sondas, como os cientistas chamam moléculas que, no caso, se encaixam no DNA criado a partir do vírus e, quando isso acontece, elas emitem luz — o que o equipamento do laboratório consegue captar.
Se por um lado não há como ter dúvida do resultado positivo quando o material coletado fica cheio de pontinhos luminosos, por outro é fácil deduzir que tantas etapas e ainda mais a necessidade de ser feito em laboratório tomam um bocado tempo. "O laudo com a resposta tem demorado cerca de 24 horas, na melhor das hipóteses", nota Amilcar Tanuri. Mas seus colegas na roda de conversa afirmaram que, em algumas regiões do Brasil, a espera chega a ser de três ou quatro dias. Um tempo precioso perdido.
É por isso que todos estão entusiasmados com os excelentes resultados apresentados por uma modalidade mais recente: o teste rápido de antígeno. Em estudos conduzidos pelo professor Tanuri na UFRJ, foi demonstrado que esse exame - que mostra quem tem o vírus em alguns minutos, no local onde a pessoa está - foi capaz de anunciar a doença em mais de 90% das vezes. Precisamente, em uma comparação com o RT-PCR, para cada 100 casos confirmados de covid-19 nesse outro exame, o teste de antígeno flagrou 91.
Como não é 100%, a nossa recomendação quando há sintomas suspeitos de covid é, mesmo se o resultado der negativo no teste de antígeno, o paciente ficar isolado aguardando oresultado do exame molecular. Ainda assim, pela rapidez e por essa porcentagem elevada de resultados corretos, o teste de antígeno é uma grande alternativa para os profissionais de saúde, que chega em boa hora, quando precisamos evitar que a onda da pandemia volte a subir.?
Amilcar Tanuri, médico e infectologista da UFRJ
Situações em que o teste de antígeno é bem-vindo
O cardiologista Rocha Faria acredita que o ganho de tempo é fenomenal para acompanhar pacientes com maior risco de quadros graves. "E também dentro dos hospitais, onde os profissionais de saúde ficam muito expostos. Seria interessante fazer um teste assim quando alguém precisa dar entrada para uma cirurgia de emergência", dá outro exemplo. De fato, separar um paciente do novo coronavírus, ainda que assintomático, em uma ala apropriada, aumenta demais a segurança de todos - inclusive a dele.
Marco Aurélio Sáfadi conta que já faz, para outras doenças (como por exemplo a gripe -causada pelo vírus influenza; a bronquiolite causada pelo vírus sincicial respiratório e a faringo-amigdalite causada pelo estreptococo A), testes de antígenos similares com as crianças que vão ao seu consultório com alguma suspeita de infecção. "E eles são ótimos por causa da rapidez. A gente não perde tempo para prescrever um tratamento mais específico", diz ele, que no bate-papo realizado pelo UOL disse ser favorável a esse tipo de testagem nas escolas, especialmente se há suspeita de algum aluno, professor ou funcionário com a infecção.
Para Tanuri, todo lugar que aglomera pessoas deveria cogitar fazer testes virológicos de tempos em tempos, respeitando a regulamentação da Anvisa para isso. "Vale para escritórios onde as pessoas já estão voltando a trabalhar até concentração de jogadores de futebol", dá o exemplo. Claro que é preciso ter bom senso: não imagine que será oferecido teste de antígeno na entrada de um show de rock ou na de vestibulares. "Por mais que seja rápido, isso causaria aglomerações, tudo o que a gente não quer."
Procure um médico e siga a etiqueta da pandemia
Dois avisos, porém, são fundamentais. O primeiro deles é que nenhum teste, não importa o resultado, libera a pessoa para deixar de seguir as recomendações das autoridades de saúde. É para continuar mantendo a distância de 1,5 metro no mínimo entre você e outra pessoa, desistir de ir a lugares lotados de gente, lavar as mãos com frequência ou higienizá-las com álcool em gel, evitando levá-las aos olhos, ao nariz e à boca. E, claro, é para usar máscara ao pisar para fora de casa - e, em algumas situações, até dentro dela.
O outro recado é para você nunca fazer um teste por conta própria. O médico é a pessoa ideal para fazer com que você entenda o resultado e o que fazer com ele.
Converse com o médico. Explique a sua situação, se está com sintomas ou não, se teve contato com alguém com suspeita de covid ou não. E ele poderá indicar que teste você devefazer."
José Rocha Faria Neto, cardiologista da PUC do Paraná